quinta-feira, maio 14, 2009

Singles

Josileide vai, aos sábados, visitar os pais. Faz isto antes que eles venham a sua casa.

André separou-se há três semanas. Não há perspectiva de volta. No primeiro final de semana foi a um puteiro no centro da cidade – pela primeira vez na vida. Transou com uma moça de codinome Karen, depois de barganhar por trinta reais. De cem, ela baixou o preço para setenta.

Vanessa passa as noites de sexta fumando maconha. Adora se masturbar quando está chapada.

Lucinda nunca teve ninguém, senão um namorado quando adolescente, numa pequena cidade do interior. Agora, aos 43 anos, passa os sábados em casa, vendo seriados e comendo balinhas. Lucinda, vez ou outra, suspira pelo marido de uma vizinha no prédio. “Ela tem só 22. Pode arranjar outro”, pensa.

Depois de um mês saindo com Leila, Marcos acordou no meio da madrugada. Mirou a moça nua, estendida sobre a cama. Achou-a linda e percebeu que sentiria sua falta. Foi embora assim, sem nada dizer. E, durante um tempo fugiu dos insistentes telefonemas de Leila.

Allan, quando se sente só, tenta escrever. Adora escrever cartas que jamais envia.

Davi tentou se matar duas vezes. Planeja uma terceira.

Fernanda dorme com a luz do quarto acesa. Tem pavor do escuro e, pra falar a verdade, anda com medo até de dormir. Ultimamente, tem se dedicado a sessões noturnas de muito café e livros. Mais alguns dias e ela terminará de ler a obra completa de Philip Roth.

Adriano vence os domingos, o dia que em que ele percebe que está só, ouvindo música em um volume ensurdecedor. Seus vizinhos não agüentam mais ouvir os discos de Jay McShann, Dizzy Gisllepie e Velvet Underground.

Mariana tornou-se bissexual depois de sua separação. Atualmente está saindo com uma DJ alemã cheia de tatuagens e com o irmão de seu chefe. Ele tem insistido num encontro a três, mas ela teme que a DJ se interesse por ele.

Maristela passa o fim de semana em casa, aproveitando o pouco tempo livre para se dedicar à filha de oito anos. Vez ou outra deixa a filha na casa de alguma amiguinha e se tranca em casa onde se entrega a sessões de blues e crack.

Dona Ivonete acabou de cair e, por azar, bateu a cabeça na pia. Bem que seu filho havia dito que era necessário contratar uma enfermeira, para não deixá-la só desde que ficara viúva. Agora, ficará ali, morta, até que algum vizinho sinta o cheiro e chame os bombeiros.

Bernardo resolveu aprender trompete. Já tentou violão e piano, mas desistiu. Jura que tem vocação para a música.

Eliza recebe visitas de um homem bem mais velho, casado. Quase tudo na casa dela é presente dele, inclusive o armário de compensado na cozinha e o jarro em cima da geladeira. Até terminar a faculdade, ela pensa que vale a pena ficar com ele.

Luís instalou na área de serviço um saco de areia onde pratica exercícios de boxe ao som de hip-hop. Seu objetivo é participar de um campeonato amador de boxe e vale-tudo.

Selma adora receber amigas em sua casa, onde passam horas bebendo vinho, escutando Amy Winehouse, fumando e dividindo intimidades masculinas.

Danilo está tentando aprender a fazer bolo. Para isto aproveita um livro de receitas da ex-namorada, que ele surrupiou um dia antes de ser dispensado. Danilo, contudo, precisa comprar um liquidificador.

Luciano vive como se fosse observado. Assim, dentro de casa, encena poses e dramas. Há quem diga que é caso para internação.

5 comentários:

camila f. disse...

A carta que não foi mandada

Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor

Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais"

Margot passa os sábados em frente ao computador lendo blogs de velhos amigos com quem não tem mais contato. Sempre deixa recados anônimos, não quer que as pessoas saibam que ela observa. Ela mesma odeia a sensação de ser observada ou que comentem seu estado de espírito, a maneira como se comporta ou se veste. Seu sonho é mudar para São Paulo, onde tem a sensação de que o mundo é maior do que ela. Assim, no meio da multidão de passantes do Brasil inteiro, ela se sente menos só.

Porque hoje é sábado. =]

Boa semana pra vc seu moço.

Anônimo disse...

As cartas que 'ele não enviou poderiam ter sido respondidas... Ou não...

Belos textos.

João Castelo Branco disse...

Cada dia melhor.


Vc tem que ver "Synecdoche", é um filme fresquinho do Charlie Kaufman, com o Philip Seymour Hoffman, o cara que faz o Truman Capote em "Capote".

Fernanda Boechat disse...

uou! viva, viva os singles!

Anônimo disse...

Somos feitos dos afetos que temos, dos que não temos e daqueles que nos fazem falta. Se nos fazem falta, é porque ainda não tivemos a coragem necessária de sentir a dor com franqueza e acolhê-la. Assim se faz no Zazen. Quando o corpo dói, encontra a dor e lembra que até mesmo ela é impermanente e que, portanto, pode ser modificada. Contudo, encontre-a com a franqueza necessária.
De meus Zazens pra um mineiro.