quarta-feira, dezembro 03, 2008

Grandes Momentos da Inveja ou Textos Que Eu Gostaria de Ter Escrito

O romance chama-se "A Trégua", do uruguaio Mário Benedetti. É de 1960 e há tempos eu o namorava, curioso. Algo me dizia que eu iria gostar. Certa vez, li um pequeno livro de poemas de Benedetti - "Poemas de hoy por hoy" - o que me deixou ainda mais curioso. Dizem as más línguas entendidas que, junto com Juan Carlos Onetti, Benedetti forma a dupla mais importante da literatura uruguaia moderna.
Independente das más línguas, por razões diversas "A Trégua" veio parar em minhas mãos há três dias. Edição de bolso, daquelas da LP&M. De fato, estou gostando. Tanto que leio lentamente, com medo de acabar.
"A Trégua" conta a história de Martín Santomé, um funcionário público de 49 anos, prestes a se aposentar. Sua vida chama-se regularidade. Viúvo, três filhos, espera apenas a aposentadoria chegar. O livro é escrito na forma de um diário, na primeia pessoa, no qual se revela um daqueles personagens fascinantes: completamente só, absurdamente regrado, totalmente inerte. Ele não ama, não deseja, não ambiciona. Está entregue a uma liberdade com relação aos próprios anseios que ele define como inércia. "Liberdade é o outro nome da inércia da minha vida". A liberdade é azul, diria um filme.
Eis que aparece Laura Avallaneda. Vinte cinco anos mais jovem, sua funcionária na repartição e que desperta em Santomé algo adormecido, esquecido, pretérito. Será possível manter-se livre?
Compartilho aqui um momento belo do livro, no qual Santomé vai a uma feira, num domingo, planejando um encontro casual:
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Domingo, 12 de maio
....Em nenhuma parte encontrei seus olhos. Apesar disso (somente agora me dou conta), não sei como eles são, nem de que cor. Retornei cansado, aturdido, incomodado, aborrecido. Ainda que haja outra palavra mais certeira: retornei solitário.
Segunda-feira, 13 de maio
São verdes. Às vezes, cinzentos. Estava olhando para ela, talvez com demasiada insistência, e então ela me perguntou: "O que há de errado comigo senhor?". Que ridículo que me trate por "senhor". "Tem uma mancha no rosto", respondi, como um covarde. Passou o indicador pela maçã do rosto (um gesto bastante característico seu, que puxa o olho para baixo e que não lhe cai bem) e voltou a perguntar: "E agora?""Agora está impecável", respondi com um pouco menos de covardia. Sorriu, e eu pude acrescentar: "Agora não está apenas impecável, está linda". Creio que se deu conta. Creio que agora sabe que alguma coisa está acontecendo. Ou terá interpretado o que eu disse como um elogio paternal? Tenho nojo de me sentir paternal.
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Não sei explicar o porquê, mas achei esta passagem singularmente bela.

3 comentários:

Anônimo disse...

hahaha ela uns anos mais nova, ele um "senhor" solitário... uma feira, em pleno domingo, delícia de lugar pra um encontro casual... "óóóóó freguês, vamos chegar que hoje tem peeeixe fresco!!!!!!! óóóóó o peeeixe freeesco!!!!!!!!"

Unknown disse...

ahh... inveja tenho eu daqueles que lêem devagar, com medo de acabar... eu sofro de um mal terrível... anseio o fim, o término me devora...
saudades docê...lembra d'eu

beijos

Louise disse...

ahahah tenho horror de ser fraternal
hehehe