segunda-feira, novembro 03, 2008

Litania

Foi num mês de outubro que descobri os tangos: Troilo, Piazzola, Pugliese, todos eles passaram a fazer sentido para mim num mês de outubro. Foi num mês de outubro que compreendi a dimensão do amor de Oliveira, perdido entre sua arrogância absurda, seu clube da Serpente, e seu amor angustiado, que se desdobrava feito um guarda-chuva atirado por dois amantes no parc Montsouris. Foi num mês de outubro que todas as calles de Buenos Aires, com suas paredes negras e seus boliches desertos pela madrugada se desdobraram para mim. Foi num mês de outubro que ouvi pela primeira vez a minha voz. E o que eu disse? “Estou perdido”. E disse isso com um misto de desespero pelo conteúdo e de alívio pela forma, como se na minha voz estivessem guardados 32 anos de segredos, sujos, covardes, infantis, puros, bobos, obscenos, lindos, afetuosos. Humanos. Foi num mês de outubro que me encontrei, ironia suprema, com o meu desejo.

Foi num mês de outubro que mirei pela primeira vez meu pai e descobri que jamais poderia salvá-lo como Pinocchio faz com Gepeto. Porém, foi também quando percebi que ninguém me salvará da solidão e que todos nós estamos dentro de uma baleia. Descobri o limite das minhas forças, revelei minhas fraquezas e, ao mesmo tempo, tornei-me mais forte. Ou será insensível? Foi num mês de outubro que chorei pela última vez e descobri que nunca havia chorado.

Num mês de outubro me descobri numa escada de uma casa de dois pavimentos, escada que hoje, nos raros acessos que permito à poesia, ouso chamar de juventude. No andar de baixo, a inocência e a perversão de um mundo feito de avós, jabuticabas, músicas e acalantos maternos. No andar de cima, a solidão sensual de um mundo feito de giletes, tabaco e vinho.

Foi em outubro que me vi atravessado por um dardo e descobri que, sim, chegara o meio-dia da minha vida, onde as perguntas não mais poderiam ser guardadas em velhos armários cujas portas rangiam ao peso do já-vivido. Outubro foi um mês no qual mirei os olhos do amor e vi o que há de mais trágico neste sentimento: que ele subsiste o tempo todo se transformando. “O amor é uma torrente contínua”. Li isto num mês de outubro. Sim, é contínuo. Ele nunca acaba. Mas sempre é outra coisa.

Outubro e descobri que só me resta amar, além das manhãs de domingo como consolo. Os amantes? Estes são como a melodia de um blues: duram o tempo suficiente para uma linda canção.

4 comentários:

Anônimo disse...

"Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei."

Anônimo disse...

uhm, belo post... =]

Carol Damião disse...

Há um e-mail pra você.
Saudades.

Anônimo disse...

Cheguei aqui por acidente. É sempre por acidente que eu encontro bons locais para estar. Mesmo que por pouco tempo.