terça-feira, maio 08, 2007

Memória de Minas




Para Fernando Sabino

Minas não existe. “Minas não há mais”. Outrora existira na mãe, tagarela e desconfiada, avessa a essas coisas estranhas dos modernos, e dada a uma sorte de devoção. Nossas Senhoras de todas as faces. A mãe de fofocas e pequenas aliterações – “Menino, meu fio” – e grandes dramas – “Mata sua mãe de vez, mata!”. Mãe de pequenos pratos: o arroz branco impossível de copiar; da couve, que em vidas passadas agradava tanto o paladar de uma outra mulher acostumada a temperos fortes; do bolinho de chuva que acompanhava o futebol das tardes de domingo. Mãe de medos absurdos e gargalhadas deliciosas. Mãe das chineladas. Mãe de consolos e colos. Mãe de pedir benção.

Havia na mãe um tanto de Minas.

Outrora Minas existira no pai, capaz de serestas e silêncios. Pai de uma generosidade ímpar e ausências cordiais. Pai da farda e da última palavra. Pai de violões e cantorias. Pai das músicas de Maria Bethânia. Pai dos pequenos prazeres da vida: tão pequenos que eram só seus, como a caipirinha que sempre preparava ao chegar do trabalho, numa cumbuca que ficava no canto da pia. Pai de mínimos, quase imperceptíveis, rituais. Pai de quem nunca se ouviu uma palavra sobre si próprio. Pai dos mistérios. Pai invisível aos olhos de todos. Pai escondido dentro de uma concha. Pai de um passado que ninguém conhece. Pai do silêncio e das palavras cruzadas.

Havia no pai um tanto de Minas.

Em algum lugar, Minas deixou-se ficar. Agora, é apenas memória de um tempo vivido. Minas tem cheiro de infância. Minas é Milton Nascimento cantando “Os Povos”: “na beira da vida a gente torna a se encontrar só”. Minas era o tempo onde se fazia música em casa. Minas é passado.

Havia um tanto de Minas numa família que outrora existira. Pai-mãe-filho numa cidade estrangeira de céu cinza. Em algum lugar pai-mãe-filho deixaram-se ficar. Agora, há pai, há mãe e há filho: cada um na beira da vida a se encontrar só.

Minas é a lembrança de uma família que, em algum lugar, deixou-se ficar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tão lindo este texto, diz tanto de você!