domingo, outubro 01, 2006

Grandes Momentos da Inveja

para Fernando Nicollazi, Tiago Vehko e Homero Martins, três grandes figuras que sempre me causaram inveja.

Hora ou outra deparo-me com textos que me encantam, comovem, divertem, aborrecem, enfim, causam-me uma impressão tão forte que sinto inveja. É isso que você leu, caro leitor, inveja. Eu admito: gostaria que tais textos fossem meus. Como leitor, de alguma forma, eles o são. No entanto, eu sinto mais: queria tê-los escrito, que tivessem saído das minhas idéias. Inveja, pura e simples. Fazer o quê?
Por isso, resolvi criar dentro deste blog um espaço intitulado “Grandes Momentos da Inveja”, no qual transcreverei ou comentarei textos, ou trechos de textos, que me causaram inveja. Compartilho assim minhas leituras, além de me redimir deste pecado que me tem levado a atos imprudentes e insanos ao longo da vida.
Ora, caro leitor, sejamos francos sobre a inveja: trata-se de um sentimento que todos escondemos sob sete chaves. Mas é inegável que todos sentimos inveja de vez em quando. Sejamos honestos. Só quem foi um alface na outra encarnação pode dizer “eu não sinto inveja”. Eu confesso: senti e sinto inveja a todo instante. Aliás, sinto até orgulho da minha inveja, fruto de um trabalho penoso de concentração e aprendizado que já dura anos. Ser invejoso não é para qualquer um e exige grandes sacrifícios. Ademais, não basta ter inveja. É preciso desejar também que tenham inveja de você. Este é o grau sublime da inveja, destinado a uns poucos escolhidos. Eu, um zero à esquerda, obviamente não sou um deles e não provoco inveja em ninguém, mas juro que gostaria. Na verdade, sinto inveja destes escolhidos, capazes de exercerem o pecado da inveja de forma tão única, já que eles vivem e provocam a inveja.
O bom invejoso, é bom que se saiba, não sente inveja de qualquer um. Não é assim. É preciso selecionar de quem se terá inveja. Ter inveja de certas pessoas em certas ocasiões chega a soar mal. Imaginem alguém sentir inveja da senadora Heloísa Helena com seus casaquinhos, ou do Alckmin e seu penteado, ou ainda, do John Lennon numa cama com a Yoko pelada ao seu lado. Cruzes. Não, algumas pessoas não são feitas para causar inveja. O bom invejoso deve, em primeiro lugar, aprimorar sua seleção da inveja. E isto, é um exercício que demanda tempo. Por isso sinto orgulho da minha inveja. Ela não é para principiantes.
A melhor definição para inveja foi formulada por Zuenir Ventura. Segundo ele, a inveja relaciona-se com outros dois pecados, o ciúme e a cobiça. Os três têm a ver com a relação que temos com o outro e com a posse. Tudo depende do ponto de vista. O ciúme aparece em relação àquilo que temos e que o outro não tem. Ou já teve, mas não tem mais. Lembro-me de um amigo que sempre sente ciúmes quando sua namorada fala de um ex-namorado de 1m80, fortão, conhecido pela alcunha de Talo (é, com um apelido destes, ciúme é pouco...). Enfim, temos ciúme do que é nosso. A cobiça, por sua vez, tem a ver com aquilo que o outro tem e nós não temos. Cobiçamos o que é do outro. Algo próximo ocorre com a inveja: também invejamos o que é do outro. A diferença é que se na cobiça pouco importa se o outro tem, desde que tenhamos também, na inveja queremos que o outro também não tenha. Enfim, temos inveja de algo que não temos e que o outro também não deve ter.
Esta definição de inveja do Zuenir é tão bacana que... senti inveja. Queria ter escrito isto. Quanto ao Zuenir... bem, ele poderia ter escrito os meus textos. Para vocês verem que além de invejoso, eu quero o mal para as pessoas...
Tenho tantas histórias de inveja para contar que não caberiam aqui. É que comecei muito cedo. Um verdadeiro fenômeno de precocidade. Algumas histórias a gente nunca esquece. Por exemplo, senti inveja pela primeira vez aos 6 anos quando o Tatá, meu amiguinho, ganhou um autorama de presente de Natal. Quando eu tinha 6 anos, tudo o que eu queria na vida era um autorama. Senti tanta inveja do Tatá que, num acesso de criatividade, pisei no autorama e quebrei uns três carrinhos. Depois, aos 10 anos, tive inveja do Toninho, moleque que jogava futebol comigo e sempre dava olé em todo mundo. Ora, quando eu tinha 10 anos, tudo o que eu queria na vida era dar olé em todo mundo. Senti tanta inveja do Toninho que, num acesso de criatividade, acertei ele bonito num campeonato que teve lá na rua. Fui expulso do jogo, é verdade, mas o Toninho não jogou mais aquele dia. E depois dizem que a “inveja é uma merda”. O autor deste provérbio deve ter sido um alface na outra encarnação. A minha história é exemplar. Vejam como a inveja é edificante: com ela aprendemos muito sobre nós mesmos. Não fosse a inveja, eu não descobriria minha criatividade.
Numa certa fase da vida, a inveja se soma a outras questões muito prementes, como as mulheres, por exemplo. Já adolescente, senti inveja do meu grande amigo Cassiano e seus olhos azuis que conquistavam todas as meninas. Para completar o serviço, ele tocava guitarra muito bem, o que só provocava mais suspiros femininos. Ora, quando eu tinha quinze anos tudo que eu queria na vida era conquistar todas as meninas e tocar guitarra de modo a provocar suspiros femininos. Sorte do Cassiano que eu não tive nenhum acesso de criatividade...
Às vezes, a inveja me levou a algumas imprudências. Aos 13 anos, descobri horrorizado que só eu, na minha rua, nunca havia beijado uma garota. O leitor há de convir que esta é uma das grandes questões da vida de uma pessoa. E neste caso foi pior, pois senti inveja de todos os meus amigos. Desesperado, resolvi, então, apelar para a ignorância: decidi beijar a primeira garota possível. Obviamente, a possibilidade não foi das melhores: beijei uma ruiva, falsa (nos dois sentidos da expressão...), chamada Priscila, a garota mais chata da escola, e virei alvo de gozações de todos os meus amigos. Eis um exemplo das muitas imprudências que cometi devido à inveja. E neste caso ninguém ficou com inveja de mim, o que só prova que até nisto não sou dos melhores.
O mesmo ocorre com este blog. Na verdade, confesso, ele é fruto de uma grande inveja que sinto de várias pessoas. Sinto inveja de Drummond, de Raduan Nassar, de Fernando Pessoa, de Fernando Sabino, de Albert Camus, enfim, pessoas cujos textos gostaria que fossem meus. Sinto tanta inveja deles que resolvi escrever também. Agora compreendo porque os textos que escrevo são tão ruins: eles são como a ruiva da escola. De novo, ninguém vai ficar com inveja de mim e até imagino a gozação alheia. Eu realmente não aprendo.
Enfim, sem mais delongas, a inveja que sinto destas pessoas me levou então a criar este blog e, agora, este espaço chamado “Grandes Momentos da Inveja”. Já que não posso escrever estes textos, transcrevo-os. Para começar, transcrevo um texto curto, delicioso, chamado “Mentiras”, escrito por Fernando Bonassi, e que me provocou imensa inveja. E mais, além de delicioso parece que foi feito sob medida para mim. É verdade....Tá bom, eu admito, junto com a inveja, padeço do pecado da presunção.
Segue, então, “Mentiras”, de Fernando Bonassi. O texto foi publicado no livro “100 coisas” que saiu, em 2000, pela editora paulista Angra. São textos curtos, de uma página apenas, sintéticos e perfeitos para uma leitura no ônibus, no trabalho ou outros lugares vividos de forma efêmera. Enfim, "Mentiras":

Eu minto. Minto sobre o passado, sobre o presente e o futuro. As mentiras saem de mim de forma tão natural, que se incorporam à minha vida com o peso de experiências. Filmes que não vi, lugares que não visitei, mulheres que não tive, presentes que não ganhei, sofrimentos que não passei. Minto assim...sem nenhum charme. Diria mesmo que, vez por outra, os acontecimentos são mais interessantes que as mentiras que coloco no lugar. Minto pra cacete. Minto inutilmente. Minto de me envergonhar. Agora mesmo eu nem sei se estou falando a verdade...”.

Convenhamos caro leitor. Morra de inveja: foi ou não foi feito sob medida para mim? Se você for ao livro do Bonassi talvez ache algum para você. Este, lamento, é meu.

7 comentários:

Anônimo disse...

Tá bom, confesso... Outro dia lá no bar do Gerson, retomando boas conversas em copo lagoinha, disse, com letras de forma, que não sabia o que era inveja! Ora, veja só: será que estava mentindo?! Na verdade, e de verdade, não sei ao certo - mas tenho inveja de quem sabe... Terá sido eu um alface na outra encarnação? Ou será ciúme da tua inveja, e cobiça do teu Bonassi? Se eu for este segundo, como o ditado deita: "Bate três vezes na madeira": afinal somos tantos os criativos! hehehe

abraços

Pansica (o rafa)

Anônimo disse...

estou com inveja. posso?
poderia ter inveja de quem sente inveja pelas (quase) mesmas coisas que eu?!
mentiras também é meu. nesse caso pode ser apenas cobiça.

Anônimo disse...

Gostei da relação da cobiça e da inveja. Fiquei pensando na história das meninas. Eu tive as mesmas frustrações de adolescente que você... Alias isso não exclusividade sua. Todo adolescente se acha o último da rua em tudo... Os que dizem que não acham mentem! Eu usava aparelho e era asmático... Você pode imaginar o que é a vida de um adolescente assim. Aos quinze a asma desapareceu e eu tirei o aparelho... minha vida mudou sensivelmente! E eu decidi que não poderia mais ficar me sentindo o último da rua. Demorei alguns anos ainda para me livrar dessa sensação. Eu era o tipo melhor amigo das meninas, carinhoso compreensivo, etc e tal. Eu me apaixonava por elas, mas elas sempre ficavam com os canalhas e ogros. O jeito que arrumei para superar os momentos críticos de inveja e inferioridade foi deixar a cobiça maior do que a inveja... sempre.

nicole lima disse...

nao tenho ciumes de quase nada, ja que tenho e procuro sempre ter pouco. meu ciúmes, penso, está conectado ao medo de perder para alguém menos digno algo que só eu sei apreciar. como um filme que a gente indica mas acha que o indivíduo nao vai entender, esses aliás eu nao empresto,escondo. mas nao me importaria (muito pelo contrario) em dividir um bom amigo com quem lhe dê o devido reconhecimento. já o sentimento de cobiça nao me agrada em nada, porque para que se concretize seria preciso ter varios exemplares do meu objeto, o que o torna banal, e entao já nao o desejo. assim sigo com a inveja, que é humana, como eu, como a billie.
:)

Anônimo disse...

Invejo não ser uma de tuas personagens.

Anônimo disse...

admiravél acessos de criatividade!! A inveja que te move a fazer diferente ....alguém que sabe ou tentar aceitar a sua humanidade!!!

Anônimo disse...

Eu também tenho momentos de criatividade e estou procurando contê-los ... mas bem que gostaria de botar fogo no seu blog! Como isso não é possível, resta-me apelar para a sã consciência cristã que nos acompanha todo dia e parabenizá-lo pelos seus escritos.Sinta-se invejado!