quinta-feira, abril 12, 2007

Breves Textos para John Coltrane

O quarteto de John Coltrane tocando “Out of this world”.

Poucas coisas são mais deliciosas do que tomar um cappuccino num certo café do centro numa tarde de outono. Parar tudo o que se deve fazer e simplesmente saborear o café e o aroma; o café e a canela; o café.

O quarteto de John Coltrane tocando “Naima”.

Ele sentou no café árabe aonde sempre ia e descobriu que a senhora da mesa ao lado chamava-se Naima. Ela, marroquina e ele, paraense. E ali estavam os dois, reunidos numa mesa de café numa rua perdida do centro. Conversaram durante horas. Finda a tarde ele foi para casa e simplesmente ouviu a gravação várias vezes.

O quarteto de John Coltrane tocando “Mr. Knight”.

Em Curitiba há uma praça onde há dois plátanos. Sempre que passava por ali, ele tinha vontade de dançar. Já imaginaram? Um moço de óculos, meio perdido, porém de boa vontade, dançando numa praça com plátanos?

O quarteto de John Coltrane tocando “Acknowledgement”.

Maria vai todos os dias à Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. É uma igreja bonita, acha Maria. Fica ao lado de um campo de futebol num bairro bacana de Curitiba. Ao lado da igreja há um cemitério. Maria não gosta de cemitérios, mas acha tocante ver as pessoas sentadas na mureta fora da igreja nos dias em que a missa está cheia. À propósito: Maria não é das mais crentes. Na verdade, ela trabalha ali, na rua defronte a igreja, vendendo doces para as pessoas nos intervalos das missas.

O quarteto de John Coltrane tocando “In a sentimental mood”.

Laércio já conhece de cor a maioria dos balcões do centro da cidade. Solteiro há anos, Laércio vive desesperado sua solidão. Uma solidão feita de cobertores velhos, casca de pão sobre a mesa da cozinha, poemas de T.S.Eliot e medo. Muito medo. Laércio está apaixonado, o que piora tudo. Sim, porque se apaixonou, uma vez mais, por alguém que não lhe dá a mínima. E pior: quando se apaixona e vive seus dias num modo sentimental, os balcões lhe parecem pouco, quase nada.

O quarteto de John Coltrane tocando “Equinox”.

Hoje ele cantou parabéns para seu irmão, pelos seus quinze anos. Ele, seu irmão e a mãe, já senhora. Era início da noite e a casa tinha cheiro de pão e novela. Ele levou um bolo de chocolate, velinhas e pequenas cornetas, com as quais assustaram a pequena cadela da casa. Arrependeu-se de não ter comprado chapéus e línguas-de-sogra. Sentaram os três na mesa e, por alguns minutos, encarnaram o que tentavam ser a vida toda: uma família. Durou alguns minutos. O suficiente para que um sentimento de cumplicidade trespassasse entre os olhos. Ele viu seu irmão criança. Ele viu sua mãe jovem. E agora, estavam ali, os três, somente, comemorando o fato de um deles estar avançando no tempo: bolo de chocolate, velinhas e, talvez, a esperança que ele gostaria de dar ao irmão.

O quarteto de John Coltrane tocando “My favorite things”.

Para João, esta música revela o lado possível, porém oculto, da vida.

Nenhum comentário: