sábado, janeiro 13, 2007

Grandes Momentos da Inveja: o Futebol e João Cabral de Melo Neto

para o Helder e Rafael Benthiem

Uma das minhas paixões, destas que nos arrebatam e consomem o calor dos dias, é este esporte de invenção bretã e que aqui ganhou o termo futebol. O porquê de gostar tanto? Sei lá. Eu só sei que há poucos prazeres maiores do que uma boa partida de futebol. E também há poucos lugares onde se exala tanta humanidade quanto no esporte bretão. Nelson Rodrigues, o nosso maior cronista no assunto, tem uma frase que talvez diga tudo: "A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana". Não é preciso dizer mais nada.
E é exatamente por exalar tanta humanidade que o futebol me parece difícil de captar na palavra escrita. Talvez por isso o assunto não seja tão explorado. No Brasil, dos grandes, somente Nelson Rodrigues lhe dedicou um espaço central em sua obra. Seus dois livros - "A pátria de chuteiras" e "À sombra das chuteiras imortais" - são sublimes, sem contar crônicas diversas sobre futebol e bastidores. Outros grandes escritores deram ao tema um tratamento secundário: Drummond teve um livro de poesias sobre futebol publicado postumamente; João Ubaldo Ribeiro, Alcântara Machado, Rachel de Queiroz, Rubem Fonseca, Ignácio de Loyola Brandão, João Antônio e Luiz Fernando Veríssimo compuseram pequenos contos sobre o assunto (o de Luiz Fernando, sobre as regras da pelada, é uma das lembranças mais fortes que tenho da minha infância). Mas é unanimidade se afirmar que o futebol ainda é um tema para ser mais explorado pela literatura.
Bem, isto cabe aos grandes escritores e aos críticos. De minha parte, que já vivo com a inveja de alguns dos autores acima citados e seus textos, gostaria de citar aqui um breve, mas absurdo poema, de João Cabral de Melo Neto (que inclusive, na juventude, foi aspirante do Santa Cruz de Recife). Talvez, ali, o casamento entre a palavra e o futebol esteja mais do que consumado. O poema se chama "A bola".

A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e, embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.
"Dar aos pés astúcias de mão" é tudo o que eu gostaria de dizer sobre minha paixão pelo futebol.

P.S: reparem na foto. O zagueiro que está de frente para Garrincha é tcheco. Agora, eu pergunto a vocês: quando é que um tcheco, com cara de pânico, ficaria naquela posição com pernas arqueadas e mão na cintura?... Só o futebol faz isso.


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